sou um edifício
a ruir quero dizer não consigo dizer
são só lágrimas é só corpo que não sabe conter
as emoções fechadas no armário
sou só eu a desfazer-me por dentro a refazer-me
aos poucos empilhando cabides com cabides
vazios da roupa que em tempos
sou agora um monte
de afectos sem estrutura forma coluna
sou um molho uma colecção de roupa nova
ainda espalhada no chão que vou pisar cuidado
ponho um pé de cada vez
as mãos apalpam
os olhos não sabem nada
eu
só isto
eu
a lavar-me nas minhas lágrimas
sou o meu próprio chuveiro o meu próprio sabão
as minhas próprias mãos ainda sujas
eu
tudo isto
eu
todos os dias um bocadinho eu
todos os dias que ajoelho no meu peito costelas
todos os dias que limpo o meu coração aortas soalho
as paredes mudam de lugar
as portas debaixo dos tapetes
as chaves deixaram de existir
sou isto uma semente caule flor tempo
uma forma vegetal a romper resplandecente através
do duro pavimento