quarta-feira, 20 de outubro de 2010

edifício



















sou um edifício

a ruir quero dizer não consigo dizer

são só lágrimas é só corpo que não sabe conter

as emoções fechadas no armário

sou só eu a desfazer-me por dentro a refazer-me

aos poucos empilhando cabides com cabides

vazios da roupa que em tempos


sou agora um monte

de afectos sem estrutura forma coluna

sou um molho uma colecção de roupa nova

ainda espalhada no chão que vou pisar cuidado


ponho um pé de cada vez

as mãos apalpam

os olhos não sabem nada


eu

só isto

eu


a lavar-me nas minhas lágrimas

sou o meu próprio chuveiro o meu próprio sabão

as minhas próprias mãos ainda sujas


eu

tudo isto

eu


todos os dias um bocadinho eu


todos os dias que ajoelho no meu peito costelas

todos os dias que limpo o meu coração aortas soalho


as paredes mudam de lugar

as portas debaixo dos tapetes

as chaves deixaram de existir


sou isto uma semente caule flor tempo

uma forma vegetal a romper resplandecente através

do duro pavimento








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