quarta-feira, 7 de abril de 2010

20 de Janeiro





20 de Janeiro : vislumbre




Não posso dizer que compreendo

O corpo não cabe dentro do corpo


O ar cresce do interior, empurra para fora

o ar obriga o corpo a crescer

são espasmos, abanam a carcaça

são as ondas no mar alto, na minha cadeira, na minha casa

o corpo cresce e eu cresco e a cara abre-se em espanto perante:

a varanda do universo: o que é isto?


Choro convulsivamente, horas seguidas, em frente ao écran do cérebro:

o que é isto?


Rendo-me. Rendo-me. Deponho as armas todas, aos pés do coração

estou completamente nú, completamente rendido

completamente despido de qualquer pensamento

completamente completo, imerso

num altar-despojamento


Um rio inteiro de lágrimas inocentes percorre o caminho

dos olhos até à boca. Provo o meu próprio cristal

salgado


Tu, forma de luz, estás à minha frente, infinita, imperial

como a esfíngie no deserto


Eu sou um grande soluço, uma grande criança a desmontar as armaduras do adulto


Durante o cataclismo, subindo

por cima das avalanches e da lava que escorre nas minhas encostas

acende-se o grande letreiro da verdade universal: o Amor

usa as minhas fontes para falar : falar-me


Porque insistes nas tuas doses tão pequenas, nos teus entretenimentos

se é isto que tu queres ?


ISTO é um relâmpago que apaga todas as lâmpadas

apenas a luz central da vida permanece gigante acesa

a ofuscar as sombrinhas do medo e as mantinhas da razão


ISTO sou eu a esvaziar-me , eu a jorrar golfadas de choro

eu sem roupa sem argumentos sem decoro

sem saber o que fazer a não ser pedir perdão perdão perdão


ISTO é

o amor absoluto a rebentar todos os fusíveis

o amor absoluto a dizer coisas indizíveis


ISTO É

e eu SOU



e cai-me na boca a última gota

de pura Gratidão







* (Pintura -"O bicho do amor"-Dora Condessa)



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