20 de Janeiro : vislumbre
Não posso dizer que compreendo
O corpo não cabe dentro do corpo
O ar cresce do interior, empurra para fora
o ar obriga o corpo a crescer
são espasmos, abanam a carcaça
são as ondas no mar alto, na minha cadeira, na minha casa
o corpo cresce e eu cresco e a cara abre-se em espanto perante:
a varanda do universo: o que é isto?
Choro convulsivamente, horas seguidas, em frente ao écran do cérebro:
o que é isto?
Rendo-me. Rendo-me. Deponho as armas todas, aos pés do coração
estou completamente nú, completamente rendido
completamente despido de qualquer pensamento
completamente completo, imerso
num altar-despojamento
Um rio inteiro de lágrimas inocentes percorre o caminho
dos olhos até à boca. Provo o meu próprio cristal
salgado
Tu, forma de luz, estás à minha frente, infinita, imperial
como a esfíngie no deserto
Eu sou um grande soluço, uma grande criança a desmontar as armaduras do adulto
Durante o cataclismo, subindo
por cima das avalanches e da lava que escorre nas minhas encostas
acende-se o grande letreiro da verdade universal: o Amor
usa as minhas fontes para falar : falar-me
Porque insistes nas tuas doses tão pequenas, nos teus entretenimentos
se é isto que tu queres ?
ISTO é um relâmpago que apaga todas as lâmpadas
apenas a luz central da vida permanece gigante acesa
a ofuscar as sombrinhas do medo e as mantinhas da razão
ISTO sou eu a esvaziar-me , eu a jorrar golfadas de choro
eu sem roupa sem argumentos sem decoro
sem saber o que fazer a não ser pedir perdão perdão perdão
ISTO é
o amor absoluto a rebentar todos os fusíveis
o amor absoluto a dizer coisas indizíveis
ISTO É
e eu SOU
e cai-me na boca a última gota
de pura Gratidão
* (Pintura -"O bicho do amor"-Dora Condessa)
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