nos cafés na rua são tão normais
nunca me tinha apercebido
que as pessoas podiam ser tão normais
não consigo explicar esta sensação óbvia
e absurda como qualquer mistério que se preze
o mistério da normalidade das pessoas
subo as escadas rolantes do centro comercial elevo-me
sinto-me vulnerável penetrado pelas outras vidas
que penduram as frases delas no ar à minha volta
a vida é tão estranha e tão familiar ao mesmo tempo
não passo disto: a vida é tão tudo ao mesmo tempo
caracóis convivem com teorias divinas automóveis
espirros jornais conversas almas telemóveis anéis
diários íntimos fezes beijos dentes segredos chapéus promessas
partos medos mentiras paixões crenças pernas braços há tantas
línguas tão diferentes em todo o mundo tantas maneiras de olhar
e sentir será que a palavra mistério será que a palavra normal existe
nos armários de todos esses países que conheço das fotografias ?
sim encontro-me ao mais baixo nível como as medusas do mar
consigo ser gelatinoso e baço consigo não ter mérito próprio posso também brilhar
apenas por ser da família apenas por ser irmão de todos esses seres que admiro
consigo num dia ou noutro sentir-me inexplicavelmente feliz
como a criança inconsciente que nunca deixei de ser a não ser
quando o medo ai quando os medos mostram os dentes não vejo nada
a não ser os dentinhos do monstro ou a pobre mas honrada cabana-catedral
da minha miséria imaginada a não ser as vestes do meu papão imaginado a força
o lado negro da força da imaginação
a trabalhar nos dias úteis
e domingos e feriados se for preciso
não digo que não
claro um banho ajuda muito
cada banho é um baptismo cada respiração
um bálsamo para a alma
há dias em que à noite
a banheira é o meu altar sagrado
quando acordo não me lembro de nada disto
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