segunda-feira, 9 de novembro de 2009

AS PESSOAS








estou como dizer profundamente interessado

na normalidade das pessoas na normalidade da vida

é uma descoberta tardia a simplicidade das coisas que existem

cada ser que se cruza comigo na rua é absolutamente excepcional

daí todos os seres serem normais daí inspirarem ternura

mesmo as crianças têm um sentido prático inultrapassável

apesar de nem sempre as saber ler

consigo comover-me comigo mesmo

quando não estou ocupado em tratar-me mal sem sequer reparar nisso

por causa de uns fusíveis que falharam na infância

são lágrimas de respeito pela minha normalidade

é de uma dignidade absurda, colossal

não almejo sequer que alguém possa entender esse lugar tão íntimo

há picos de alta montanha que é preciso visitar em solidão

há trilhos que só os meus pés reconhecem

e cheiros recém qualquer coisa que conheço de outras vidas

os sapatos obedecem aos donos, há uma certa normalidade nisso

mas é reconfortante reparar que por vezes sorriem

são capazes de orgulho e de ternura não é justo

esquecer que são inteligentes é muito seguro

seguir os sapatos nos dias em que a cabeça não confia na chuva

os hábitos têm solas rijas e tacões capazes de afugentar um cão raivoso

em caso de necessidade virgem por amor de deus acreditem

Amor e Deus é a mesma coisa

as mesmas palavras não saem do mesmo armário todos os dias

e não era agora um cão que me vinha desdizer

a raiva sim desdiz-me todos os dias

mesmo quando fica surda escondida na roupa amiga do roupeiro

a naftalina tem as suas virtudes mas é capaz de trair o seu melhor amigo

eu que sou muito senhor do meu nariz já traí e peço perdão à minha criança

que é bem mais perspicaz que eu mas foi ferida não digo de morte

mas de vida




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