sábado, 12 de julho de 2014

a deposição





 um gigante com dinheiro gravata
e fama passeava numa rua
de alfama quando reparou na lata
que a mão da pedinte segurava enquanto a boca cantarolava 
“oh minha filha só é pobre quem não ama e não partilha”
não era frase que fosse importante e o gigante assim de raspão
lembrou-se do seu jardim e do cão e da piscina (nunca ia para fora de pé)  
enquanto a pedinte de alfama dava a mama ao bebé
o dia começou a cair  o gigante sem perceber
começou a entristecer e mesmo antes de anoitecer
ouviu-a dizer à comadre com todo o respeito:
“olha filha, não é preciso ter estudos nem ser padre para saber...
quantas horas de peito nos fizeram crescer”
o gigante olha para o colo da mulher e para a criança
  e para o recheio do bolso e pestaneja
aconchega-se ao degrau da igreja e descansa
suspira respira tira
a memória do miolo da cabeça
 pousa-a no chão à espera que algo aconteça
e começa a pescar tudo o que vem à linha tem importância
olha de cima para baixo e repara que quase não tem infância

“há pessoas que a têm má outras que a têm boa
não sei se tem importância mas
eu quase não tenho infância
pesco na montanha pesco na lagoa
insisto lanço o fio chamo por ela...
e o isco esbarra sempre
no vidro da janela”






quinta-feira, 22 de maio de 2014

o quadro central





O QUADRO CENTRAL
to brené brown 
& the power of vulnerability


Porque estamos aqui aqui aqui aqui?
perguntam estes anjos que acordam dentro de mim.
Porque descemos por dentro da tua carne recheada de sonhos e carícias?
Porque acordamos nas tuas mãos ligadas à boca que deseja

o Mundo em forma de SIM?

E achas que eu sei?, perguntei
Antes nada sabia e agora nada sei.

Descemos para vir fazer a pequena e a grande ligação
arranjar o quadro central do universo, unir o que está disperso

e dar graças ao amor, o único electricista
capaz de ligar o circuito interior
do grande colosso em forma de coração.

Consegues? Sentir a ligação? Consegues ou não?
Tu és o teu próprio cientista  (disse o anjo estelar 
secreto especialista em poesia cardio-vascular) 
deixa que te mostre o direito e o avesso do princípio e do fim
(e, num segundo, ligou o circuito celular

do Mundo em form de SIM).

Antes destes anjos, nada sabia e agora nada sei
mas posso dizer que andei perdido e sondei
as pessoas do Mundo em forma de NÃO:

fala-me sobre  amor; e elas falaram de coração partido
fala-me sobre pertencer; e elas mostraram as marcas da exclusão
finalmente fala-me sobre ligação; e elas falaram da dor da separação.


Quando preparava a minha última ceia, a via láctea derramou
o seu branco luminoso em cada meu canal em cada minha veia
e nada de nada é fortuito, pensei, e reparei no inverso

do universo espelhado no curto-circuito.

Consegues sentir a ligação? Consegues ou não?
Não tenhas vergonha, disse ela segurando a minha mão

a vergonha é o medo da separação;
o medo de não ser não merecer não pertencer não queiras
ser nada a não ser ligação ligação ligação
nada a não ser uma parte do todo fecundo
que somos nós todos ligados
ao grande SIM do mundo.




pintura de dora condessa 




sábado, 17 de maio de 2014

todas as coisas que sentes








todas as coisas que sentes
todos os pensamentos que pensas
todos os gestos que fazes
são a tua criação
a pedir que a reconheças
nascer é entrar no mundo físico
criar é registar no mundo físico
tudo aquilo com que te sintonizas
pode descer ao mundo físico
se fixares essa energia
num papel num espaço num corpo
escrevendo, pintando, desenhando, dançando
a criatividade é isso, dar à luz
fazer chegar a este mundo
algo que já existe no céu que te recheia o peito
algo ainda noutro espaço ou noutro tempo
ou noutro plano ou noutra metáfora da consciência
as obras de arte são transferências
do mundo imaterial para o mundo material
e tocam-nos porque nos relembram a realidade do espírito
a tua harmonia é homeoestática e homeostética
tu já és todos os dias, aquilo que és
mas a tua expressão neste mundo engrandece-nos
porque te engrandece e te expande
no terreno que nos traz iguais entre iguais
todos comungamos na mesma grande mesa dos humanos
a tua expressão neste mundo engrandece-nos
quanto mais humilde mais verdadeira
e grandiosa é a tua obra a tua vida
pois nada do que é reclama
nada do que não é






segunda-feira, 12 de maio de 2014

fala do mestre sem fim nem princípio




             


FALA DO MESTRE SEM FIM NEM PRINCÍPIO

 sou nada
sou ninguém
 sou um espelho
onde podes perceber-te

 sou tudo
sou todas as pessoas
sou todas as coisas


ouve: tu és
e és o ouvido do universo

                     vê: tu és
e és o olho do universo

  pensa: tu és
e a verdade do universo


                     agora sente: 
 és simplicidade
  és verdade
  és amor


tudo 
nada
verdade  
simplicidade 
e amor
sem princípio
nem fim




inspirado em babaji