quinta-feira, 29 de julho de 2010

serei rei






todas as águas do mundo

todas as fogueiras

todas as mulheres com quem mantive laços

e imaginei deitadas nos meus braços

pedindo por socorro serão um dia testemunhas

da minha própria coroa

de sombras


serei rei pela minha própria luz


todo o fogo da terra

todas as torneiras

todos os mim próprios a quem roí as unhas

e imaginei deitados nos braços da princesa

ideal e salvadora serão um dia testemunhas

da minha própria coroa

escrita em cruz


serei rei pela minha própria luz


pouso a espada a ilusão esqueço o brilho e o capuz

dobro o joelho peço perdão

agradeço o trono a luz o mel o pão

o meu pé na minha lama

a minha cara no meu chão


serei rei pela minha própria mão


abro a coroa de flores

solto as glórias solto as dores solto histórias que nem sei

eu sei que serei rei mas serei rei

da minha própria multidão


serei rei

do meu sagrado coração




terça-feira, 27 de julho de 2010

a voz do jacques brel






tenho os joelhos muito dobrados

na cadeira vermelha do cinema

a voz do jacques brel

atravessa-me o sangue

a humanidade sangra por dentro

da minha tremura

sou um ursinho de peluxe

tenho os membros a desmembrar-se

nas mãos de uma criança

a minha criança eu

a desfazer todas as armas

todas as armaduras de gestos

olhares palavras cofres-fortes

que me impedem de chegar

ao tesouro

eu a desmontar os meus joelhos

a desmontar a cadeira vermelha

a desmontar o cinema

a desmontar a minha voz

dentro da voz-casulo do jacques brel

eu a desmontar todo o meu mundo todo

espalhado no chão confiando

que o arrumador vai aparecer

com uma lanterna numa mão

e o livro

das novas instruções da vida

na outra




quinta-feira, 22 de julho de 2010

máscaras chamas
































bem entre os mamilos o meu vulcão

de sonhos incompletos explode

as suas máscaras em chamas e eu

dispo o uniforme não sou bombeiro

que chegue para tamanha floresta troncos

plantas que se alimentam das carnes da ilusão

viro os meus dentes contra mim dou pequenas

dentadas nos meus defeitos inventados

na grande fábrica de defeitos da humanidade

consigo roer a ponta das minhas garras diminuir

o tamanho das minhas mãos e tudo isto

mergulhado num lago de silêncio quase

manso como a pele indomada das asas

do anjo vindo para me despir os falsos

propósitos a vida respira por entre

os meus fantasmas desmonta o torno

que me aperta os pulmões

e ri-se na minha cara de criança

assustada pelas idades dos adultos sim

sou o meu próprio pai o meu próprio filho

a minha própria criação à solta

nos prados da infância por ganhar

sou uma corrida dois galgos gémeos

longilíneos galgando-me os tecidos

do coração por dentro das máscaras

das chamas do cheiro forte a ilusão queimada

os bichos caninos correm até gastar as patas

vislumbro um coto o viço de uma raíz a querer

brotar das minhas entranhas sou eu ?



sim peço perdão sinto muito amo-te

e cumpro os rituais da gratidão humana mas

quem sou eu podes dizer-me?

para onde olham estes olhos perplexos

falta-me talvez algum espaço entre as células

que deixam respirar os mistérios







quarta-feira, 21 de julho de 2010

nuvens incandescentes









oh fada das fogueiras travo doce no amargo da garganta

tens-me atravessado na tua espinha amorosa sem rédeas

onde os mundos largam as suas águas e os partos chovem

sem fim à vista por cima das nossas cabeças recém-nascidas

que preces são essas que castigos nos obrigam

a abraçar a luz do mundo ?

oh fada das fogueiras as tuas chamas iluminam ao queimar

as minhas ressequidas razões antigas as tuas chamas

acendem cristais junto ao tenro do miolo

disparam diagonais contínuas à cabeça

e eu rodopio atrás da minha cauda de cachorro

sim eu ladro e eu canto os meus próprios hinos e ganidos

mandados fazer no glorioso país da loucura ainda imberbe

ainda por podar selvagem livre como fruta ardendo

na boca das árvores tu fada das fogueiras

tu guerreira das nuvens incandescentes

tu domadora dos descrentes rasgas-me

ao alto a casca do peito e lambes

o doce recheio da ferida

como fazem os gatos ao curar








quinta-feira, 15 de julho de 2010

querida louca sem nome amada amiga








mulher de fogo não sei que língua

estender-te que pedras depositar

nas tuas mãos de penas amigas

render-me e perguntar se afinal

és ou não és o dragão açaimado

que me faz tremer as têmporas?


és hoje o meu bicho das dúvidas

sou eu quem hoje treme com medo

que te apaixones e ponhas à mostra

estas grades estas memórias que afinal

trago comigo às minhas econdidas


sei o tamanho da tua paciência posso dar pinotes reclamando ao mundo a minha liberdade

gritar de cada vez que toco nas minhas feridas sou livre sou livre grito eu eu eu eu eu

adolescente que ainda não se sabe olhar ao espelho descobrir-se nú sem pensamentos

amo a tua casa a tua filha a nossa sagrada descoberta conjunta mas sim hoje

tenho sustos nos olhos porque não habito a coluna do meu centro perdoa-me

estes gestos difusos querida louca sem nome amada amiga que me tens de joelhos

disposto a explorar-me e amar-me a mim próprio na tua sagrada presença

exulto em cada pequena comunhão que alcanço contigo depois fujo em pensamentos

de cada vez que me atrapalho a mim próprio com dúvidas um pouco sebosas repito

a memória do jogo de criança que toca e foge sim porque sim porque assumo toco logo fujo

não ligues hoje saem-me as estrias desta maneira preciso estar em casa a conviver com os meus fantasmas

mostrar-te todo este visco toda esta insegurança miserável esta sujidade irreprimível

tomarei os meus banhos minuto a minuto mas para sobreviver preciso desta sangria absurda

é infantil olha para mim com o nariz no ranho olha para a minha colecção de sujidades não te iludas

hoje não me sinto digno da tua verdade mas não tenho pena porque preciso de ar

porque conheço o teu colosso intrínseco sim conheço o teu verdadeiro tamanho