segunda-feira, 30 de setembro de 2013

silêncio macio









as flores podem ser felizes
disse uma espécie de principezinho
que vive sem abrigo no meu coração
pois podem foi o que eu pensei
mas não disse nada preferi aproveitar
o silêncio macio que as palavras
iam semeando à medida que
deixavam de se ouvir 







Pintura: "O Homem Novo", de Dora Condessa

segunda-feira, 17 de junho de 2013

primavera




reparei na porta fechada 
comigo lá dentro aprendi 
a fechar o bico com cuidado
enquanto as estações corriam
depois da última carruagem-silêncio
apareceu um pássaro: 1 pássaro 
o alvorecer do coração: 
olha, bebe, disse o pássaro
e as maravilhas voaram 
dentro de grandes chávenas de loiça
olha, bebe, disse o coração
era um pássaro
era a infância 
dentro de grandes chávenas de loiça
disse o pássaro
abrindo 
as portas das aortas










quinta-feira, 21 de março de 2013

visita







hoje de manhã durante
a visita do grande gigante
que habita todas as pessoas
que honram outras pessoas
vi uma multidão de lágrimas
descendo descalça até à cidade
pelas minhas faces comovidas
trazendo em bandejas coloridas
dois decilitros de humildade

dobro uma vénia com carinho
a minha alma canta baixinho
o hino de quem se reconhece
e agradece a breve graça
de lhe chamares tua
e seres tu minha 
tão doce humanidade












sábado, 16 de fevereiro de 2013

coração






mergulho afundo olhos dedos 
apalpo-me por dentro avanço sem medir as raízes
a minha árvore medita no meio da floresta
atravesso o mundo nas galochas da infância
pés encostados aos mindinhos da inocência
embalados na descoberta alegre das coisas
a máquina do mundo abrindo as suas gavetas
de repente o que é isto o que se passa
uma massa esponjosa vermelho veludo uma tontura
a vida oferece-me o coração em primeira mão 
deixo-me levar pelo susto ou embalo no êxtase
a escolha é a mãe da experiência sussurram pirilampos
inseminando pequenas palavras luminosas no interior dos galhos
as minhas artérias ressentem-se revolvem-se recriam-se
eu agora em pé em frente ao coração nú
eu agora nú em frente ao coracão nú
eu agora eu em frente
eu agora eu
, coração









quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

deusa fogo






sei que existe uma deusa que nos lava por dentro
quando nos esquecemos de olhar para as crianças
que um dia fomos na inocência do fogo
que acende cada segundo dentro do coração
a vida espera ainda por nós muito além da memória
onde os anjos dançam as suas subtilezas dançam
despidos dos dias que passaram e ainda vão passar
dançam bebendo a luz de cada momento
dançam desenhando os círculos da comunhão
dançam ébrios de consciência luminosa
e as suas asas de carne purificada
cantam os hinos pelos quais esperamos  um dia salvar-nos
de não sermos quem somos  um dia lembrar-nos
de como seremos uma raíz celeste que sobe
até à copa dos astros que nos semeiam