sábado, 12 de julho de 2014

a deposição





 um gigante com dinheiro gravata
e fama passeava numa rua
de alfama quando reparou na lata
que a mão da pedinte segurava enquanto a boca cantarolava 
“oh minha filha só é pobre quem não ama e não partilha”
não era frase que fosse importante e o gigante assim de raspão
lembrou-se do seu jardim e do cão e da piscina (nunca ia para fora de pé)  
enquanto a pedinte de alfama dava a mama ao bebé
o dia começou a cair  o gigante sem perceber
começou a entristecer e mesmo antes de anoitecer
ouviu-a dizer à comadre com todo o respeito:
“olha filha, não é preciso ter estudos nem ser padre para saber...
quantas horas de peito nos fizeram crescer”
o gigante olha para o colo da mulher e para a criança
  e para o recheio do bolso e pestaneja
aconchega-se ao degrau da igreja e descansa
suspira respira tira
a memória do miolo da cabeça
 pousa-a no chão à espera que algo aconteça
e começa a pescar tudo o que vem à linha tem importância
olha de cima para baixo e repara que quase não tem infância

“há pessoas que a têm má outras que a têm boa
não sei se tem importância mas
eu quase não tenho infância
pesco na montanha pesco na lagoa
insisto lanço o fio chamo por ela...
e o isco esbarra sempre
no vidro da janela”






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