um pequeno grão de voz denuncia
a manhã dentro da Tua garganta
um dedo quase a medo entra e toca no veludo
não percebo: porque é que o dedo não se espanta
dentro da Tua garganta
as pétalas explicam tudo
in "o céu dentro da boca"
certas manhãs debruço as orelhas . sobre o coração e oiço as estrelas . a bater lá dentro
quarenta e nove corpos celestes desaguam
no meu contentor de lágrimas
transbordam atravessam
pestanas e barragens
observo uma parte substancial do universo
a explodir-me as certezas pelo método hidráulico
do choro involuntário
sou mais uma obra de arte
da escultura das galáxias
a minha cabeça é um bloco de matéria a transformar-se
o meu coração é um bloco de matéria a transformar-se
todas as narinas pupilas todas as vértebras da vontade
todos os lírios das mãos a transformar-se
pela força gravítica da alma
são apenas gotas de água ,doce
pitadas de sal salpicado
aqui e ali
até apurar o desenho do destino
cabeça coração de cristal
finalmente cristalino
uns fiapos de alegria incandescente
misturam-se nos canais que vão dar ao umbigo
suponho que o fígado e o pancreas
e todos esses tecidos inteligentes
ouviram falar da revolução antes de mim
eu apenas deixei de saber quem sou
de uma forma que me surpreende
já só consigo dizer: eu sou
e já é muito
diz a barriga em surdina
por favor vamos todos esqueçer tudo
vamos lembrar-nos de tudo
outra vez ainda virgem
pessoas com olhos fechados para sempre
vieram hoje dizer-me que podemos
respirar em conjunto
ouvir em conjunto
todo eu tremi nas fundações
senti frio no buraquinho
por onde o grande Ser
nos sopra raízes
com a essência da vida
sinto agora os pés nús
por cima de um riacho
e não sei se existo
dizem alguns índios que somos
apenas um sonho